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Os álbuns ao vivo só continuam “vivos” no Brasil?

A permanência do modelo no nosso território e a tentativa da Olivia Rodrigo de resgatar a força do formato no exterior.



A partir dos anos 2000, os “live albums” caíram em uma espécie de esquecimento na indústria internacional. Muitos dizem que o provável culpado disso é o Youtube e a possibilidade de assistir ao seu artista favorito cantar fora de um estúdio de forma gratuita e na sua casa. De acordo com os estudiosos Luis Aguiar e Bertin Martens, “As tecnologias digitais reduziram drasticamente o custo de copiar e disseminar bens informacionais. No caso da indústria da música, essa redução de custos beneficiou enormemente os consumidores, que agora têm acesso a uma variedade muito maior de músicas a preços mínimos.”

Talvez a “culpa” seja da geração Z, das grandes plataformas de streaming musical ou até mesmo da desvalorização do valor real das artes. Mas por que esse formato ainda é aclamado no âmbito nacional, mesmo entre os jovens?


Os álbuns ao vivo se popularizaram na década de 70 com os fenômenos dos vinis de bandas de rock. Get Yer Ya-Ya 's Out! e Live Shit: Binge & Purge  são exemplos de álbuns ao vivo que quebraram recordes e tiveram imensa aclamação do público. Com o passar dos anos, outros artistas de diferentes gêneros musicais começaram a apostar na modalidade “Live”. Em 1992, Eric Clapton lançou Unplugged, álbum ao vivo de rock/blues mais vendido no mundo com mais de 26 milhões de cópias. Aqui no Brasil, Raul Seixas foi o pioneiro na modalidade: em 1983 vendeu mais de 100 mil cópias de Ao Vivo - Único e Exclusivo. Depois dele o formato se popularizou ainda mais no país, principalmente no meio da MPB. 


Assim como foi nos Estados Unidos, os “Live Albuns” se tornaram tendência e desejo dos fãs de música no Brasil inteiro. Após anos de sucesso de vendas de vinis, os CDs chegaram ao mercado e os artistas se adaptaram ao novo modo de escutar música. Logo em seguida chegaram os DVDs, e a música entrou também no nicho audiovisual. Mesmo com todas essas mudanças, o formato “ao vivo” se manteve firme e cada vez maior no mercado, tanto no país quanto globalmente. Porém, com a chegada da internet e a circulação livre, gratuita e ainda mais rápida, esse tipo de produto decaiu em vendas e, automaticamente, reduziu em produções. 


Leonam Dalla Vecchia, Doutor em Comunicação pela UFF, explica um pouco sobre as mudanças nas produções ao vivo:


“O que  vejo é uma reconfiguração de uma experiência ao vivo que antes era mediada pela televisão. Antigamente, essa coisa de presença simultânea, essa ideia de estar assistindo ao vivo alguma coisa, talvez esse modelo esteja entrando em decadência. Mas as gravações feitas a partir de shows, eu vejo crescer e vejo que tem crescido bastante no Brasil. Mas, se eu fosse dizer o motivo para essa transformação, acho que seria realmente essa ideia da simultaneidade do ao vivo, por causa de produtos que foram gravados ao vivo, mas que não são assistidos simultaneamente.  


Se eu fosse dizer outro motivo para essa reconfiguração eu diria que a internet é um grande personagem, porque ela nos permitiu assistir simultaneamente e assim permitiu transmissões ao vivo de qualquer lugar. Podemos assistir de qualquer lugar e as pessoas também podem gravar de qualquer lugar.  Eu acho que a internet democratizou esse modelo  de certa maneira e, na televisão, acabava ficando mais restrito e reforçava talvez  um “ritual” específico de assistir. A internet, junto com o surgimento dos  smartphones, acabou impulsionando esse modelo.


Uma outra coisa foi a pandemia. Acho que ela mudou profundamente a maneira como o ao vivo e essa ideia de “Live” eram pensados. Porque, lá no início da pandemia, todos os artistas faziam as lives musicais e transformaram aquilo em tendência. Então, se eu fosse dizer um motivo para essa ‘decadência’, entre aspas,eu diria que são esses dois fatores: a internet e os dispositivos móveis, e a pandemia, que teve um papel bem ponderante nessa transformação.”


Ao contrário do que se esperava, a modalidade não decaiu no Brasil, essa forma de se produzir e escutar música continua em crescimento e sendo um sucesso em nosso território.


Leonam também falou para a gente sobre como esse formato é importante no nosso país:


“O ao vivo faz parte da cultura do Brasil. Eu acho que aqui no Brasil sempre foi muito forte essa ideia de os artistas gravarem DVDs de apresentações ao vivo. O João Gomes gravou um show dele que ele fez na Lapa, aqui no Rio, gratuito, e registrou o show pra fazer um DVD. E daí a gente vê que, em 2025, não existe mais DVDs físicos, na verdade não é mais tão usual, mas essa ideia de gravar uma apresentação ao vivo eu sinto que ainda é presente nos artistas brasileiros e sempre fez  parte da cultura do país. Enquanto nos Estados Unidos isso é mais voltado  pro pop, aqui quase todos os gêneros, como o brega no Pará, o tecnobrega, o sertanejo e vários outros, adotaram esse modelo. 


Essa cultura tão forte no Brasil de fazer DVDs e versões ao vivo de álbuns também deriva dos números alcançados. As plataformas de streaming, o YouTube e toda a internet entram na jogada. O modelo tem crescido muito porque é cada vez mais acessível. Então eu vejo,  hoje em dia, o Brasil não exatamente fazendo as gravações de shows completos, mas, de certo modo reproduzindo um pouco o que já se faz lá nos Estados Unidos com a VEVO live performances, lives de músicas específicas e não do show todo. Os artistas brasileiros da música pop e da música brasileira em geral estão tentando emular um pouco essa coisa da live lançada nas redes sociais.”


Prova disso é a alta demanda em shows de gravação de DVDs, a quantidade de streamings em álbuns ao vivo em grandes plataformas e o recente fenômeno do Tiny Desk Brasil, que, de acordo com o Google API, após a estreia registrou um aumento de mais de 1035,1% em buscas e chegou a ter mais de 20 mil pesquisas em um único dia. Já é um fenômeno declarado,  trazendo grandes nomes da música nacional para dentro do seu “escritório musical”. João Gomes, Péricles, Ney Matogrosso entre outros grandes artistas estão nessa lista.


via: CNN Brasil
via: CNN Brasil

“O Tiny Desk nos Estados Unidos ainda é bem forte, e eu vejo ele como uma coisa muito forte não só lá, mas em outros países como a Inglaterra. Aqui no nosso país não vejo ele como um projeto com data de validade ou um projeto que vai acabar assim tão cedo. Mas eu acho que aqui no Brasil já era muito aguardado pelos fãs. No Twitter, por exemplo, eu sempre via muitas pessoas clamando para ter uma versão brasileira do Tiny Desk, dando ideias de conceitos e de artistas que poderiam participar. Sempre foi uma demanda que existiu e já não era sem tempo deles realmente trazerem o Tiny Desk Brasil. E eu vejo muito futuro no “Mesinha”. 


Acho que o Brasil tem uma cultura do ao vivo muito forte — de shows, festivais e DVDs ao vivo —  somada à internet,  ao YouTube e o Tiny Desk tem uma proposta  que entra nesses padrões: essa coisa mais acústica que lembra o Acústico MTV dos anos 2010 e 2020. Como o Tiny Desk também tem essa proposta de fazer releitura das músicas, eu vejo muito potencial para ele aqui. Se souberem acatar os feedbacks das pessoas, se a curadoria for muito bem feita e se eles ajustarem as coisas, trazendo os feedbacks das redes sociais, eles têm tudo para ser um sucesso.

Recentemente, surgiu um boato do possível encerramento do projeto nos Estados Unidos após o atual presidente Donald Trump fazer um corte de financiamento federal para a Corporation for Public Broadcasting (CPB), organização que distribui fundos para a NPR (National Public Radio) que é quem produz e publica os concertos do projeto. Porém, Bobby Carter, idealizador do Tiny Desk, usou suas redes sociais para esclarecer a situação e reforçou que o projeto continuaria acontecendo mesmo que a CPB estivesse fechando. Caso isso acontecesse, seria a perda de um pilar que sustenta a indústria das “live performances” e populariza esse tipo de conteúdo, mas não necessariamente seria o fim dele.


A Olivia Rodrigo participou do programa há quase dois anos atrás, no dia 11 de Dezembro de 2023, e, mesmo antes disso, já mostrava seu interesse nas performances ao vivo. Ela já tinha gravado algumas para HSMTMTS (High School Musical: The Musical: The Series), série distribuída pela Disney+ em que protagonizou Nini, estudante do ensino médio,cantora, compositora e atriz. Foi durante as gravações da série que Olivia lançou sua primeira música autoral “All I Want”, cantada em um dos episódios e logo em seguida publicada pela própria Disney nos streamings oficiais da companhia em diversos formatos, inclusive como live performance.


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via: DIY Magazine


No dia 9 de setembro de 2025, Olivia anunciou o lançamento do seu primeiro álbum ao vivo Live From Glastonbury, que ficou disponível hoje, 05 de dezembro de 2025, em todas as plataformas digitais. A obra é uma tentativa da cantora de reacender o formato na geração atual. O álbum tem colaborações com The Cure, banda de Rock que lançou diversas produções ao vivo na época do auge do modelo. Com o lançamento de GUTS, álbum da cantora que saiu em 2023, ficou notório o desejo dela de se aproximar do rock e colaborar com artistas do gênero. No festival Glastonbury, Olivia fez um dos seus primeiros “feats” com Robert Smith, e juntos cantaram o sucesso “Friday I´m in Love” do álbum Wish (1992), extasiando os fãs na plateia e nas redes sociais.


Talvez de forma inconsciente, Olivia esteja apresentando às novas gerações um tipo de música não muito consumido por eles e um formato que merece continuar sendo produzido e apreciado pelos novos consumidores de música. Olivia Rodrigo é a prova de que a geração Z produz, consome e estima esse modelo musical, reafirmando que ele continua vivo na indústria e que, aos poucos, está voltando ao seu ápice como se via nos anos 70.


Escrito por: Larissa Labelle


 
 
 

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